Sob o slogan de impacto político “vacina boa é no braço”, o prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis (MDB), tem protagonizado, nos últim...
Sob o slogan de impacto político “vacina boa é no braço”, o prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis (MDB), tem protagonizado, nos últimos meses, um dos mais apavorantes cenários de desorganização na campanha de vacinação, de desrespeito à população e de descumprimento do critério de grupos prioritários do Plano Nacional de Imunização (PNI). Diante da série de infrações sanitárias, que têm colocado em risco a saúde do moradores e promovido aglomerações atraindo pessoas até de outros municípios, o Ministério Público do Rio já fez quatro recomendações e conseguiu quatro decisões judicias
para obrigar Reis a obedecer ao PNI — sob pena de multa pessoal —, mas, mesmo assim, elas foram ignoradas. Uma outra tentativa dos promotores foi um pedido de intervenção na Saúde do município que está há uma semana sob a análise do procurador-geral de Justiça (PGR), Luciano Mattos, porque o prefeito tem foro privilegiado.
Enquanto isso, dia após dia, as cenas de caos se repetem na cidade da Baixada. Ontem, centenas de pessoas, que foram para a fila da segunda dose na noite de domingo, ficaram sabendo, pouco depois da abertura dos postos, que o imunizante havia acabado. O prazo para a CoronaVac, recomendado pelo Instituto Butantan, é de 28 dias entre a primeira e segunda dose. Muitos dos que se revoltaram na Praça do Canal, em Saracuruna, um dos pontos de maior concentração de pessoas, já tinham ultrapassado esse período. Ao protestar contra o atraso da imunização de sua mãe, que tem câncer, a professora Cíntia Dias acabou sendo ofendida pelo deputado estadual Rosenverg Reis, irmão do prefeito, segundo a TV Globo. Procurado, o parlamentar não se pronunciou.
Como o GLOBO revelou no sábado, de acordo com os dados do Ministério da Saúde, Caxias está deixando idosos para trás. Os números atualizados ontem mostram que a cidade aplicou 48,9 mil primeiras doses em idosos, o que representa 38% do total da população nessa faixa etária. Desse recorte, apenas 9,9 mil receberam a segunda aplicação. Apesar do atraso, a prefeitura avança e abriu calendário para pessoas de 57 anos.
Às 7h de ontem, a fila na Praça do Canal ultrapassava um quilômetro. Uma hora e meia depois, quem estava de pé desde o dia anterior foi informado que a vacina acabara. Estranhamente, quem estava em carros continuou a receber doses. Foi o estopim de uma grande confusão.
Intervenção é estudada
Bastante exaltada, a dona de casa Fátima Carlos discutia com os agentes. Ela chegou às 4h e não conseguiu ser vacinada:
— Eu sou cardíaca e tenho diabetes. Não tenho quem me ajude e tive de vir sozinha. Fico seis horas na fila e agora dizem que não tem vacina pra mim. Mas continuam dando a esse pessoal de carro. Esse prefeito quer matar os idosos por falta de vacina ou do coração por tortura.
O aposentado Josinal Ironei de Souza, de 72 anos, vacinado dia 24 de março, tentava receber a segunda dose pela quinta vez.
— É muito desrespeito desse prefeito com a população. Mais de um mês que tomei a primeira dose. Agora não sei se precisarei tomar tudo de novo — reclamou.
Guardas Municipais tiveram que conter um início de tumulto. Para tentar dispersar os idosos, uma funcionária da prefeitura informava erroneamente à população que não havia problema ultrapassar em mais de um mês para receber a segunda dose de CoronaVac. No início da manhã, Reis esteve no posto, mas saiu ao ouvir as primeiras reclamações.
A promotora de Justiça Carla Carrubba, da 2ª Promotoria da Saúde da Região Metropolitana I, usa o termo “luta” para definir a tarefa de fiscalizar a prefeitura de Caxias e diz que a campanha do município da Baixada vem “surpreendendo todo mundo”. O MP já deu entrada em três ações, que geraram quatro ordens judiciais. Ela explica que a alternativa mais urgente é a intervenção estadual.
— Quando o gestor ignora decisões judiciais, e as multas não surtem efeito, a única medida é a ação de intervenção. Alguém precisa assumir a campanha de vacinação no lugar do prefeito — afirmou a promotora, acrescentando que tentou um diálogo com o ex-secretário de saúde do município José Carlos de Oliveira, que deixou o cargo em fevereiro, mas se surpreendeu com a resposta. — Ele chegou a questionar o prazo de imunização, citando evidências de intervalo de 40 dias para a segunda dose. Mas precisamos seguir o que o fabricante da vacina preconiza.
Denúncias de desvios
Desde o dia 25 de janeiro, data da primeira recomendação do MP, a Justiça já decidiu que a prefeitura de Caxias precisa obedecer à ordem prioritária do PNI; fazer reserva para aplicação das segundas doses; publicar dados da campanha; e organizar a vacinação de acordo com número de doses disponíveis. Nada disso foi considerado.
O material enviado ao procurador-geral de Justiça faz um histórico da confusão em Caxias. Carla Carrubba acredita que os dados são não só capazes de subsidiar um pedido de intervenção como também a abertura de inquérito criminal contra Reis, por crimes de desobediência e atentado contra a saúde pública.
Juristas ouvidos pelo jornal explicam que a intervenção do estado em um município se aplica em casos de falta de prestação de contas, de investimento mínimo em educação e saúde ou com autorização do Tribunal de Justiça, após pedido do PGJ.
— Agora, nada impede que esse agente político seja responsabilizado de outras formas — afirmou Emerson Moura, professor de direito administrativo e constitucional da Unirio e da Universidade Rural.
Via Extra
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