Série 'Década jogada no lixo' conta como está Jardim Gramacho depois que as montanhas de lixo desapareceram O abandono da população ...
Série 'Década jogada no lixo' conta como está Jardim Gramacho depois que as montanhas de lixo desapareceram
O abandono da população de Jardim Gramacho após o fechamento do aterro sanitário tem afetado a vida de ex-catadores e moradores, mas o descaso com o meio ambiente prejudica outra grande parcela de trabalhadores da região.A poluição dos rios Sarapuí e Iguaçu, que ficam no entorno do Jardim Gramacho e deságuam na Baía de Guanabara, atingiu níveis tão alarmantes que os pescadores de Duque de Caxias não vivem mais de peixe. Eles agora são “catadores de rio”.
Esta é a quinta reportagem da série 'Década jogada no lixo', na qual o g1 conta como está Jardim Gramacho depois que as montanhas de lixo desapareceram.
“A gente parou de catar caranguejo para catar material reciclável, esse que a gente vê limpinho. Nem todo material reciclável todo mundo quer comprar não. Porque tem lama, a gente tem que perder tempo pra lavar. Tem garrafa PET suja, mas eles querem a limpinha”, diz Gilciney Lopes Gomes, presidente da Colônia de Pescadores de Caxias, que consegue juntar cerca de 30 quilos de material a cada 15 dias.
Segundo os trabalhadores, a renda média, que já chegou a quase R$ 1 mil por semana com pescados, hoje gira em torno de R$ 300 com a venda de recicláveis. E como é cada vez maior o número de pescadores de lixo no rio, a quantidade de material e o faturamento também diminuem.
“Normalmente eu venho catando latinha, plástico, pelo menos para comer. As contas, tá tudo atrasada. Tá difícil, não quero isso para os meus filhos mais. Eu vou me aposentar agora, não sei se vai ter obstáculo, mas essa vida não dá mais”, lamenta José Vitor do Nascimento Raimundo, que criou uma espécie de puçá para pescar as latinhas dentro do rio.
Já os plásticos, os pescadores costumam catar dentro do manguezal. Quando chove ou quando a maré sobe, a área de mangue é inundada, levando não só os recicláveis, como também a poluição dos rios.
“Algumas, eu pego com puçá e jogo dentro. Mas algumas têm lama, aí tem que meter a mão na água e lavar. Aí, você já tá se contaminando ali. E dentro dos manguezais também quando a gente tá armando as armadilhas pra pegar o caranguejo, a gente vê e vai jogando dentro da sacolinha. Chega em casa, vai juntando e final de semana vai vender”, explica o catador.
As empresas que compram material reciclável na região pagam R$ 8 no quilo da latinha de alumínio e R$ 1,80 na embalagem plástica de material resistente. Em média, um pescador costuma catar cerca de 2 a 3 quilos de latinha por dia. Um quilo de latinha significa pescar 70 unidades do material no rio.
As garrafas PETs, que costumam ser bastante cobiçadas pelos catadores de recicláveis, não interessam tanto aos pescadores da região, pois a poluição nos rios de Caxias está tão grande que as embalagens ficam muito sujas e não têm valor para os compradores de recicláveis.
“A garrafa do rio, o ferro-velho não está comprando. Antigamente eu trazia a lona cheia, mas eles não estão comprando mais as garrafas PETs porque elas vêm sujas, com óleo, aí eles não querem”, diz Jose Vitor.
Segundo especialistas, a situação evidencia o impacto socioeconômico na região, que é visível no empobrecimento dos pescadores artesanais.
"Hoje os pescadores de Caxias vivem na extrema pobreza e grande parte das famílias de catadores de caranguejo e pescadores artesanais passam fome todos os dias. Porque não têm o pescado do rio Sarapuí, nem do Iguaçu, e os manguezais daquela região já não fornecem que o caranguejo”, afirma o ambientalista Sérgio Ricardo, no Movimento Baía Viva.
E os problemas vão além. Quando os pescadores conseguem algum pescado nos rios Sarapuí e Iguaçu, enfrentam dificuldade na hora da venda, pois os compradores não querem peixes e caranguejos vindos de Caxias.
“Se chegar com o caranguejo pra dizer que é de Caxias, os fregueses falam que tem óleo. Se falar que o peixe é de Caxias, as peixarias não compram. A difamação ficou desde o óleo”, explica Zé Vitor, referindo-se ao vazamento, em janeiro de 2000, de mais de um milhão de litros de combustível na região provocado pelo rompimento de um duto que ligava a Refinaria Duque de Caxias ao terminal Ilha d'água, na Ilha do Governador.
Segundo os pescadores, esta época do ano costumava ser um bom período para a pesca, mas há cerca de oito anos nem os rios, nem os caranguejos dos manguezais têm resistido à poluição.
“Essa época o caranguejo ficava próximo ao rio. Você chega perto do rio e não tem caranguejo, nem filhote, porque isso aqui está matando os girinos. E quando as fêmeas saem para desovar na praia, morreu tudo por causa do cheiro da amônia, muito fedida a água”, lamenta Gilciney.
Outro problema que assusta os pescadores é a falta de fiscalização e a grande quantidade de lixo hospitalar que aparece na margem dos rios e dentro do manguezal.
“Isso aqui eu acho dento do mangue. Como eu vou fazer para descartar isso aqui? Tem pescador que acha também e pendura nas árvores. Já espetei aqui assim, entendeu. Estava no buraco do caranguejo. Aí, eu peguei e tirei, espremi bem, só o que eu pude fazer era isso. Não procurei nada. Eu tenho conhecimento de um colega que entrou nele, mas ele quase perdeu o dedo. Tá lá com o dedo torto porque entrou a seringa nele”.
A área de mangue é extremamente importante para o ecossistema porque protege a costa contra erosões e fenômenos como ressacas. As raízes dos manguezais retêm muitos nutrientes, os tornam um berçário muito importante.
“Ela traz o respiro para as árvores, alimenta o solo despoluído, mas o solo despoluído, não isso aqui. Aqui dava caranguejo, aqui essa época que tinha muito caranguejo. Agora não tem nenhum. Então, a importância de ter o caranguejo no mangue é para manter o reflorestamento, o próprio caranguejo ajuda a reforçar o mangue porque traz o oxigênio”, afirma Gilciney.
Inea e Comlurb
Em nota, a Comlurb disse faz a coleta do lixo hospitalar em 95 unidades de saúde do município, entre hospitais, maternidades e postos de saúde. Os resíduos biológicos coletados são levados para uma empresa especializada, onde os resíduos passam por um tratamento por autoclave, método de desinfecção por calor, para inertizar os resíduos de saúde. O destino final é dado pela própria empresa. Clínicas e hospitais contratam empresas especializadas em remoção de lixo infectante e a regulamentação e fiscalização ficam a cargo do Inea.
Via G1
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